quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Link


Hoje este blog completa cinco anos de existência e, por isso, escrevo uma postagem motivada por extensas discussões que tive ao longo de anos com muitas pessoas, tanto via internet e telefone quanto presencialmente. 

Usualmente escrevo postagens recheadas com links que remetem a referências ou outros textos publicados neste site. Mas aqui sigo um caminho diferente. O único link que pretendo explicitar é aquele que direciona ao leitor ou a alguém que o leitor conheça.

Em meio a discussões acaloradas sobre educação, política partidária ou até mesmo modos de conduta da vida pessoal, ficam patentes algumas características sobre interlocutores. E essas características parecem girar em torno de um persistente conflito entre liberdade e isolamento; lembrando que isolamento é sinônimo de encarceramento, neste contexto.

Existem pessoas muito abertas (livres) intelectualmente, mas muito fechadas (encarceradas) no âmbito de relações pessoais em grande escala. E existem pessoas muito abertas em processos de socialização, mas intelectualmente isoladas. E quando indivíduos de diferentes perfis começam a discutir entre si, comumente ocorrem conflitos difíceis de serem administrados ou sequer compreendidos entre as partes interessadas.

Espero que o leitor se esforce para compreender o que sugiro aqui. Apesar de nosso país ter recentemente passado por uma batalha de discursos provocada por um polêmico processo eleitoral, não estou me referindo exclusivamente a isso. Mas admito que esta postagem é parcialmente motivada pelos últimos acontecimentos na vida política de nossa nação. 

O que é abertura intelectual? É a capacidade de honestamente reconhecer a legitimidade de múltiplas formas de pensamento, sejam científicas, artísticas ou meramente intuitivas. Paradoxalmente, a abertura intelectual demanda elevado senso crítico. E uma condição necessária, porém não suficiente, para cultivar elevado senso crítico é o estudo aprofundado de diferentes áreas do saber. No entanto, estudo aprofundado não se limita a meras leituras e reflexões, mas exige a produção de conhecimento inédito, relevante e sólido, devidamente compartilhado e discutido com especialistas nas respectivas áreas. Somente a familiaridade íntima com múltiplas formas de pensamento pode preparar um indivíduo para uma postura de abertura intelectual. Para uma pessoa intelectualmente aberta não existem áreas do saber que ela não goste. Existem sim áreas que ela não conhece, mas que reconhece que precisa saber, ainda que esta meta seja impossível de ser alcançada. Para aqueles que duvidam da possibilidade da existência de pessoas intelectualmente abertas, devo dizer que eu mesmo já conheci dois ou três indivíduos assim, tanto no Brasil quanto no exterior. Portanto, abertura intelectual não é uma utopia.

O que é isolamento intelectual? É a postura de que no mundo das ideias existe uma clara distinção entre o certo e o errado, entre o verdadeiro e o falso, entre racionalidade e fé, entre ciência e pseudociência, entre amigo e inimigo, entre heterossexual e homossexual, entre etnias branca e negra, entre analfabeto e alfabetizado, entre aquilo que se precisa e aquilo que se deseja, entre inteligência e estupidez. O isolamento intelectual não permite inferir mais de uma interpretação para um texto ou uma ideia, e cria obstáculos para a compreensão de sutilezas. A pessoa intelectualmente isolada é dominada por certezas, convicções, tornando-se inflexível mesmo diante de argumentos bem articulados. Ironicamente, isolamento intelectual é a postura que assume a existência de uma clara distinção entre a pessoa intelectualmente isolada e aquela que é intelectualmente aberta. E é neste ponto que reside a considerável dificuldade para escrever um texto como este. Uma pessoa que afirma ser intelectualmente aberta, sugere em suas palavras que provavelmente não o é, pois falta-lhe auto-crítica. E uma pessoa que afirma ser intelectualmente isolada, demonstra que essa afirmação não pode ser verdadeira, por conta de exagerada auto-crítica. 

O que é abertura social? É a capacidade de um indivíduo honestamente promover ações relevantes e construtivas do ponto de vista social, com pessoas que defendem ideias ou ideais radicalmente diferentes daquilo que tal indivíduo advoga. Um exemplo bem conhecido de abertura social é a colaboração entre cientistas, Estado laico e organizações religiosas em programas sociais. Se igrejas, mesquitas ou sinagogas colaboram com um Estado laico em programas de combate à fome e à miséria sem usarem esta oportunidade para fins de doutrinação religiosa, e se o Estado colabora nos mesmos programas sem tirar proveito para fins de propaganda política, temos assim um exemplo de abertura social. Para aqueles que duvidam da possibilidade de tais colaborações, devo dizer que eu mesmo já testemunhei ações dessa natureza fora do Brasil. E essas ações foram patrocinadas por igrejas. Portanto, abertura social não é uma utopia.

O que é isolamento social? É a postura na qual elogios não são bem-vindos e ofensas são ignoradas. É a postura na qual discussões presenciais são evitadas ou tempestivamente interrompidas, quando ocorrem opiniões divergentes. Um indivíduo socialmente isolado pode até mesmo debater suas ideias na internet, pois expõe apenas parte delas. Isso porque ideias não ficam evidentes simplesmente por meio de discursos, mas também por ações que nem sempre transparecem via internet. Até mesmo uma simples expressão facial pode denunciar se alguém está mentindo ou falando o que realmente pensa, enquanto que um simples texto escrito dificilmente tem esse papel revelador. E pessoas socialmente isoladas raramente expõem de forma clara o que sentem e pensam. Uma pessoa pode ser socialmente isolada por vários motivos: por sentir que raramente é compreendida, por conta da maneira como foi criada durante infância e adolescência, por influência de traumas de ordem psicológica, por conta de um quadro clínico ou por simples indiferença em relação a pessoas em geral. Uma pessoa socialmente isolada pode até ser bem sucedida em uma atividade profissional que exija muito contato humano, desde que ela abrace uma profissão na qual naturalmente ela deva ser ouvida, mas que não tenha a obrigação de ouvir. Docência é o exemplo mais marcante de atividade dessa natureza.

Em um primeiro momento quero propor um modelo comportamental de casos extremos de isolamento e abertura nos âmbitos social e intelectual. Provavelmente a maioria das pessoas se enquadra em estágios intermediários entre esses casos extremos. Ou seja, nem todo mundo é totalmente incapaz de socialização, assim como nem todo mundo é absolutamente incapaz de contemplar ideias novas. Mas existem pessoas que são facilmente identificáveis como casos que beiram esses extremos e, por isso, são frequentemente percebidas com estranheza. Portanto, se você não se identificar com qualquer uma dessas categorias é porque provavelmente se localiza em algum lugar nos tons cinzentos que separam os casos extremos.

Primeiro grupo. Como se comporta uma pessoa aberta dos pontos de vista intelectual e social? Este é um perfil muito raro. O matemático húngaro John von Neumann foi um exemplo de pessoa com essa rara índole. Foi um cientista extraordinariamente inovador em diferentes áreas do saber (portanto, de mente muito aberta) e altamente sociável. Pessoas desse grupo podem facilmente se tornar lideranças bastante confiáveis. E aqueles que são liderados por pessoas com este perfil apresentam uma tendência natural a se tornarem melhores tanto do ponto de vista pessoal quanto intelectual. Pessoas abertas dos pontos de vista intelectual e social naturalmente deixam uma trilha de bem estar por onde passam. São elas uma espécie de horizonte que deve servir de inspiração para aqueles que buscam por aperfeiçoamento pessoal. Possivelmente por conta disso que alguns amigos de von Neumann se referiam a ele como o próximo passo da evolução humana. 

Segundo grupo. Como se comporta uma pessoa intelectualmente aberta, mas socialmente isolada? É um indivíduo que promove marcantes relações pessoais com um reduzidíssimo grupo de pessoas, pois o contato com muita gente provoca grande desgaste emocional. Tal desgaste ocorre justamente por sua dificuldade (ou incapacidade) de vencer seu isolamento social. Mas, por conta da abertura de sua intelectualidade, tende a admirar indivíduos socialmente livres. Comumente é tida como uma pessoa grosseira, indelicada. Isso porque esse indivíduo ingenuamente julga que suas ideias são compreensíveis para qualquer pessoa que se disponha a refletir. E, ao falar o que pensa, expõe com certa facilidade falhas de caráter identificadas em indivíduos que temem essa exposição.

Terceiro grupo. Como se comporta uma pessoa intelectualmente fechada, mas socialmente aberta? Pessoas socialmente abertas são honestas por natureza. Mas a limitação intelectual as coloca em uma situação de grande desconforto, pois elas sentem que têm pouco a oferecer em seus meios sociais. Portanto, quando abraçam carreiras tradicionalmente intelectuais, tendem a defender suas posturas com incisividade. Elas defendem princípios de lealdade, não abrindo espaço para mudanças de ideias. Costumam interromper a fala de outras pessoas e erguer a voz, para impor suas crenças. E frequentemente sofrem até mesmo em suas relações sociais até então bem sucedidas, apesar de comumente serem admiradas por muitos. Alimentam-se de elogios e se ressentem gravemente com ofensas. 

Quarto grupo. Como se comporta uma pessoa fechada intelectual e socialmente? Este é um indivíduo potencialmente muito perigoso. Existem duas situações sociais possíveis para uma pessoa assim: a situação Unabomber (que, aliás, era matemático) e aquela na qual o indivíduo se reúne com outros de mesma índole para constituir células sociais organizadas. Vemos exemplos dessa natureza em seitas que defendem preceitos radicais ou até mesmo partidos políticos com ideologias que não se sintonizam com qualquer realidade social. A situação Unabomber é aquela em que o equilíbrio emocional é tão instável, que basta uma pequena perturbação para desencadear terríveis atos de violência extrema aparentemente gratuita. Já a segunda situação pode ser facilmente confundida com grandes habilidades de socialização. No entanto, grupos de pessoas fechadas nos âmbitos intelectual e social costumeiramente querem beneficiar apenas a si mesmas em detrimento daqueles que pensam e agem de forma diferente. São pessoas que fervorosamente alimentam noções ingênuas sobre lealdade, igualdade social e justiça, e maldizem todos aqueles que pensam e agem de maneira muito diferente, os quais frequentemente são rotulados de forma pejorativa como membros de elites.

Assumindo que o quadro acima descrito seja real, como promover um convívio social pacífico e construtivo entre as pessoas em geral? Entre os quatro grupos extremos apontados, somente o último é genuinamente perigoso. Os demais até podem ser responsáveis por atritos e desencontros. Mas o único grupo que pode desestabilizar uma sociedade a ponto de destruí-la é o último. Pessoas isoladas dos pontos de vista intelectual e social precisam de uma educação diferenciada, que respeite suas limitações cognitivas e emocionais. Elas precisam de uma educação inclusiva que tenha como meta a real inserção delas na sociedade. Caso contrário, é o equilíbrio da sociedade que tende a ser instável. No entanto, a má notícia é que o quarto grupo não tem despertado qualquer atenção entre autoridades. Afinal, indivíduos do quarto grupo ainda são tidos como pessoas normais.

sábado, 25 de outubro de 2014

Intuições visuais da sociedade brasileira


Nesta postagem uso recursos inspirados na teoria dos grafos para motivar discussões e eventuais revisões sobre a estrutura social de nosso país.

Na imagem abaixo sugiro uma visão um tanto simplificada de parte das redes sociais de nossa nação. De forma alguma as flechas (arestas orientadas) definem relações de influência em algum sentido absoluto, mas apenas de predominância.

Claramente estou ignorando nós (vértices) fundamentais da sociedade brasileira, como saúde, justiça e segurança pública. No entanto, meu objetivo é oferecer uma perspectiva diferenciada de simples textos ou outras formas usuais de comunicação, como fotos e vídeos. Desta forma tenho a pretensão de estimular a propagação de formas imediatas de análise social pouco divulgadas no Brasil.

Minha sugestão no grafo acima é a de que o governo federal brasileiro exerce um papel excessivamente centralizador em nosso país, interferindo diretamente em políticas educacionais do ensino básico e do ensino superior, no comportamento do mercado e do consumidor e nas políticas e ações de empresas. Por outro lado, empresas exercem forte influência sobre políticas e ações governamentais por meio de lobbies e apoios financeiros em épocas de eleições. Como empresas interferem diretamente sobre o governo federal e este interfere no mercado, o sistema econômico brasileiro acaba assumindo uma tendência corporativista. E, ao contrário do que muitos pensam, corporativismo pouco tem a ver com capitalismo. Finalmente, existe uma influência muito maior do mercado sobre o consumidor do que do consumidor sobre o mercado. Portanto, o corporativismo alimentado em nosso país exerce influência praticamente unilateral sobre a população. Isso explica porque o consumidor brasileiro é tão pouco exigente, comprando produtos inferiores por preços excessivamente elevados, em comparação com outras nações. 

Neste contexto, o grafo acima sugere algo que parece difícil de contestar: o isolamento da educação básica e do ensino superior relativamente a demais nós da rede social brasileira. O ensino básico de nosso país é reconhecidamente um dos piores do mundo e, portanto, não encontra condições de retribuir socialmente com o resto da nação. É a velha história do povo sem educação que não pode agir sobre o sistema. E o ensino superior, representado por universidades públicas acomodadas e universidades privadas comprometidas com a simples emissão de diplomas, exerce influência muito aquém do que deveria. 

Por conta disso tudo apresento uma visão alternativa de estrutura social, conforme o grafo abaixo.

Nesta proposta o governo federal desempenharia papel secundário. Os nós centrais da rede deveriam ser educação básica, ensino superior e empresas. Além disso, os papeis sociais de certos nós deveriam ter um caráter mais colaborativo. 

Empresas deveriam ser influenciadas predominantemente pelo mercado, o qual trocaria relações de influência com os consumidores. Desta forma o destino de empresas estaria nas mãos do consumidor e não do governo federal. Além disso, o mercado receberia forte influência de uma educação básica mais forte, que viabilizaria uma população melhor informada e mais exigente. E, por conta disso, a educação básica trocaria relações de influência com governo federal e ensino superior. Já o ensino superior estaria mais conectado com demandas de empresas e da educação básica do que com agendas governamentais. Em contrapartida, empresas dependeriam de universidades em processos de inovação científica e tecnológica. 

É claro que a interpretação de tais relações colaborativas entre diferentes nós sociais também é tema de discussão. Afinal, a eventual influência do governo federal sobre políticas de educação básica poderia facilmente minar uma rede social inteira de maneira extremamente danosa. Intenções de centralização em redes sociais frequentemente danificam partes significativas de redes. Portanto, a mentalidade de governantes do futuro deveria estar muito mais focada em reflexos sociais de suas ações do que ideologias egoístas. 

O leitor pode até discordar de minha primeira proposta de estrutura social para um Brasil melhor. Mas dificilmente discordará da importância do emprego de grafos para fins de análise e reestruturação social de uma nação. Este recurso privilegia visões holísticas no lugar de visões dominantes de governantes que não conseguem enxergar além do próprio umbigo.

Nosso país já demonstrou em inúmeras ocasiões que consegue produzir mentes excepcionalmente brilhantes. Mas ainda falta a visão de que somos uma sociedade, na qual todos precisamos de todos.

Postagem Especial: Eleições 2014


Neste blog sempre evitei discussões político-partidárias. Mas, diante do atual quadro sócio-político de nosso país, não posso mais ignorar a institucionalização da insanidade no Brasil. Por isso quebro duas regras: 

1) Escrevo um texto sobre o processo eleitoral deste ano e 

2) Uso como imagem de referência para esta postagem algo que não criei e que reproduzo sem autorização, a saber, a capa da última edição da revista Veja.

Acabo de ficar sabendo que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, na noite de ontem, proibir a Editora Abril (responsável pela revista Veja) de fazer propaganda em qualquer meio de comunicação da reportagem de capa segundo a qual a Presidente Dilma Rousseff e o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva teriam conhecimento do esquema de corrupção da Petrobras.

Esta decisão do TSE demonstra preocupação com uma candidata à Presidência da República e não com o povo brasileiro. E este fato é demonstração incontestável de que nossa democracia está seriamente ameaçada.

Já apontei em inúmeras postagens deste blog diversas ameaças à democracia brasileira. E as maiores ameaças são a miserabilidade em que nossa educação se encontra, bem como a decadência de nossa produção científica e tecnológica. A sistemática tentativa de ocultar a escandalosa corrupção das últimas gestões do governo federal é simplesmente reflexo de nosso baixo nível intelectual enquanto nação.

Portanto, peço a todos os blogueiros e demais cidadãos que divulguem sim a matéria de capa da última edição da revista Veja, independentemente de opiniões pessoais sobre esta mídia. Não é a reputação da revista Veja ou de Dilma Rousseff que estão em jogo, mas a liberdade de expressão em uma nação supostamente democrática. 

O TSE NÃO TEM JURISDIÇÃO SOBRE O POVO BRASILEIRO!

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O Retorno de Estudante Brilhante


No final de 2011 publiquei neste blog a primeira postagem sobre o Estudante Brilhante, uma personagem fictícia que serve para ilustrar a constrangedora situação na qual o discípulo é mais inteligente e melhor informado do que o mestre. 

Na primeira parte da história, Brilhante perigosamente se destacava por conta de questionamentos sobre os limites da cognição humana. Mas, desta vez, ele aprendeu que deve descer um degrau intelectual se quiser conviver civilizadamente entre os seus pares. E agora apela a situações já antecipadas por outros.

...

Durante aula professor Mula afirma que observações empíricas sob rigoroso controle laboratorial permitem inferir verdades científicas. E cita como exemplo a órbita da Lua ao redor do planeta Terra. Segundo Mula, esta é uma prova científica incontestável de que a Lua está em queda livre, sob a ação da força de gravidade que nosso planeta exerce sobre aquele satélite natural. Brilhante não se contém e novamente contesta:

- Quando o senhor fala de força de gravidade, está se referindo a qual tipo de força? Força newtoniana? Qual força newtoniana? Aquela que é discutida nos Principia de Isaac Newton, sem o emprego de cálculo diferencial e integral? Ou o senhor fala da força newtoniana discutida por Vladimir Arnol'd sob o ponto de vista de espaços de fase e grupos de Lie? Além disso, a concepção de força não é exclusiva de visões newtonianas! Há as forças de Hoyle e Narlikar, assim como as forças da mecânica relacional. E nem toda teoria gravitacional emprega o conceito de força. A relatividade geral de Einstein é um exemplo bem conhecido de teoria de gravitação sem força. Isso sem falar na mecânica de Hertz, que permite tratar de gravitação sem menção a força ou qualquer processo de geometrização. Mas a parte realmente intrigante da suposta verdade científica de que a Lua está em queda livre é que esta queda ocorre para cima.

Professor Mula se irrita com a aparente verborragia de Brilhante e questiona: "Como assim, queda para cima?" 

Brilhante responde:

- Mesmo que nos limitemos a tratar de gravitação newtoniana nos moldes intuitivos do que hoje se entende sobre esta teoria, o fato é que o sistema Terra-Lua pode ser matematicamente tratado como um sistema de três corpos: Terra, Lua e marés oceânicas e terrestres que circulam pelo nosso planeta por ação gravitacional da Lua. E essas mesmas marés são responsáveis por perdas de energia total do sistema, obrigando a rotação da Terra ao redor de seu próprio eixo a diminuir ao longo de milhões de anos. Se considerarmos o sistema Terra-Lua-marés como isolado, por conta de conservação de momento angular do sistema é possível concluir que a Lua se afasta da Terra, algo que também encontra verificação experimental. Portanto, a Lua cai para cima, relativamente ao nosso planeta.

Professor Mula respira fundo e então responde: "Eu estava me referindo à gravitação newtoniana. Mas eu gosto da maneira como você pensa".

Estudante Brilhante, desta vez melhor humorado, reage:

- Professor, eu tenho uma pergunta a fazer.

Mula não sabe se deve se sentir aliviado ou preocupado: "Qual é a pergunta?"

- Três moças tomam sorvete. Uma delas lambe o sorvete, a outra morde o sorvete e a terceira chupa o sorvete. Qual delas é casada?

Desconcertado (e desconsertado!), Mula responde: "Não sei. Eu acho que a casada é aquela que chupa o sorvete."

- Não, professor. A casada é aquela que usa aliança na mão esquerda. Mas eu gosto da maneira como o senhor pensa.

Os alunos da turma riem da resposta de Brilhante e Mula tenta manter a postura de líder intelectual. E então sentencia: "Tudo bem. A brincadeira acabou. Agora, quem responder à próxima pergunta poderá ir para casa."

Brilhante rapidamente joga sua mochila pela janela, fazendo-a cair ao chão, do lado de fora da sala. Mula questiona, irritado: "Quem jogou essa mochila para fora?"

Brilhante responde:

- Fui eu, professor. Estou indo pra casa.

A fragilidade de demonstrações em matemática


Na última terça-feira, dia 21, o professor Newton da Costa ministrou uma palestra para uma pequena turma minha de graduação. Ele falou sobre o conceito de demonstração em matemática. Faço aqui uma transcrição livre desta palestra, devidamente revisada pelo próprio professor Newton. 

Desejo a todos uma leitura crítica.
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Demonstração
transcrição livre de palestra de Newton da Costa

Quando Euclides de Alexandria utilizou o método axiomático para apresentar a geometria em seu célebre livro Elementos, ele deixou muito clara (para os padrões da época) a visão de que axiomas e postulados permitem a inferência dedutiva de novas afirmações sobre geometria, conhecidas como teoremas. Este é o mais antigo registro do uso do método axiomático em matemática.  

Desde então houve grandes avanços no método axiomático. Postulados e axiomas passaram a ser sinônimos e este método deixou de ser uma mera ferramenta didática no estudo de geometria para se tornar objeto de estudos dos próprios matemáticos em contextos muito mais amplos. Isso porque o conceito de demonstração, pelo menos em matemática, passou de mera intuição para algo que deveria ser compreendido com grande rigor

Grosso modo, uma teoria axiomática consiste de dois ingredientes: linguagem e lógica. A linguagem permite explicitar quais são os conceitos primitivos da teoria e quais são os seus princípios fundamentais, também conhecidos como axiomas. Quanto à lógica, ela se refere a regras de inferência e postulados específicos que permitem a dedução de novas afirmações (chamadas de teoremas) a partir dos axiomas. Neste contexto, uma demonstração é uma sequência de afirmações (ou fórmulas, no jargão usual da matemática) que atende a certas condições impostas pela lógica da teoria axiomática. E um teorema é a última fórmula de uma demonstração. 

Portanto, para qualificar com rigor os conceitos de demonstração e teorema, faz-se necessário o emprego do método axiomático. E, diante deste fato, o processo de formalização é imprescindível. 

Na prática matemáticos raramente são formais. Mas o estudo de lógica garante, entre outras coisas, que mesmo demonstrações feitas de forma meramente intuitiva (como ocorre na maioria das vezes em livros e mesmo em salas de aula) podem ser tratadas de forma rigorosa e formal. 

No entanto, o conceito de demonstração em matemática jamais ficou restrito ao domínio da mera formalização. Sempre foi necessária uma contraparte social, no sentido de que demonstrações possam ser compartilhadas entre matemáticos e no sentido de que matemáticos precisam sentir se uma dada demonstração está correta ou não. Apesar da noção de "sentir" ser vaga, é justamente a troca de ideias e críticas entre pares profissionais que legitima ou descarta uma ideia matemática, como uma demonstração. 

Mas a partir da segunda metade do século 20 esse quadro todo começou a mudar. 

Em 1976 Kenneth Appel e Wolfgang Haken "provaram" o célebre teorema das quatro cores utilizando um computador IBM 360. O enunciado não rigoroso do teorema é o seguinte: "Dado um mapa plano, dividido em regiões, bastam quatro cores para colori-lo de modo que regiões separadas por apenas uma fronteira não tenham a mesma cor." Apesar de existir uma infinidade de possíveis mapas planos, Kenneth e Haken reduziram todos os casos possíveis a apenas 1936 configurações redutíveis. E, após consumirem mais de mil horas de processamento, conseguiram "demonstrar" o teorema. 

Por que, neste contexto, colocar a palavra "demonstrar" entre aspas? O motivo é simples. Por um lado, até hoje nenhum ser humano conseguiu acompanhar a demonstração do teorema das quatro cores feita pela máquina, mesmo após a impressão de todas as milhares de páginas que exibem as supostas 1936 configurações que contemplem todos os possíveis mapas planos. E, por outro lado, programas de computador são naturalmente não confiáveis. Desde os primórdios da computação sabe-se que não é possível conceber um programa de computador secundário que verifique o desempenho de um outro programa executado por uma máquina.

Em 1996 uma versão mais simples da demonstração do teorema das quatro cores foi publicada. No entanto, os problemas da não verificabilidade humana e da não confiabilidade da máquina ainda persistem. 

Em 1997 William McCune publicou em Journal of Automated Reasoning um artigo sobre a demonstração da conjectura de Robbins feita por uma máquina. A conjectura estabelece que toda álgebra de Robbins é uma álgebra booleana. Este é um segundo exemplo de demonstração matemática feita originalmente por um computador e, neste caso, de forma praticamente acidental.

Mas outros exemplos aquecem ainda mais as discussões sobre o que, afinal, é uma demonstração em matemática. 

Em 1611 o grande astrônomo Johannes Kepler conjecturou que o mais denso empacotamento de esferas de mesmo tamanho é o cúbico ou hexagonal. E em 1997 Thomas Hales publicou uma série de relatórios, totalizando 250 páginas, nos quais uma abordagem completamente nova era apresentada para resolver a conjectura de Kepler. Hales fez extenso uso de um programa de computador! O prestigiado periódico Annals of Mathematics reuniu doze avaliadores para decidir se a prova apresentada por Hales estava correta. Após quatro anos de árduo trabalho, o parecer final foi de que os avaliadores estavam 99% certos de que não havia erros na demonstração sugerida por Hales.

Um exemplo fascinante sobre os limites da aplicabilidade da computação em matemática é a conjectura de Mertens. Esta estabelece que a função de Mertens é cotada pela raiz quadrada de seu argumento. E, mais importante ainda, se a conjectura de Mertens fosse verdadeira, ela implicaria na hipótese de Riemann, um dos problemas matemáticos do milênio. Para bilhões de valores do argumento da função de Mertens, programas de computador apenas apontavam para a validade da conjectura. No entanto, em 1985 Andrew Odlyzko e Herman te Riele apresentaram uma demonstração indireta da falsidade da conjectura de Mertens, usando justamente recursos computacionais. Hoje se sabe que deve existir pelo menos um contra-exemplo em valores de argumento acima de dez elevado a catorze. 

Mas o exemplo mais fascinante que permite questionar o conceito de demonstração em matemática nada tem a ver com computação. Trata-se da célebre classificação dos grupos simples finitos, a qual permite a classificação de todos os grupos finitos. A demonstração deste teorema de classificação está disponível na forma de dezenas de milhares de páginas publicadas em centenas de artigos em periódicos especializados ao longo de cerca de meio século. Nenhum algebrista até hoje conseguiu acompanhar esta extensa demonstração em sua totalidade. O melhor que se consegue é apenas a garantia de uns e de outros de que partes da demonstração estão corretas. Mas falta a visão holística da demonstração deste teorema de classificação, a qual parece ser inacessível à mente de uma só pessoa. 

Portanto, levando em conta que matemática é uma atividade social, fortemente dependente da interação entre profissionais desta área e fundamentalmente sustentada pelo conceito de demonstração, o que, afinal de contas, é uma demonstração?

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Perspectiva de um aluno sobre as ciências humanas no Brasil


Apesar de certas críticas fervorosas, continuarei disponibilizando espaço neste blog para jovens que estão apenas iniciando suas carreiras profissionais. Na verdade, sonho em publicar postagens que sejam transcrições de depoimentos até mesmo de analfabetos. Isso porque este blog se concentra nas relações entre educação (com ênfase em matemática) e sociedade. E são muitos os segmentos sociais afetados por processos formais e informais de educação. Por isso temos neste site colaborações de pessoas com perfis muito distintos entre si, incluindo cientistas de renome internacional (como Newton da Costa e Steven Krantz) e jovens estudantes de graduação, como o mais recente colaborador Bruno D'Ambros. 

Pouco tempo atrás eu convidava pessoas para publicarem textos neste blog. Nos últimos meses, porém, já tenho recebido submissões de artigos, como é o caso do material de D'Ambros. Raramente me recuso a publicar. Isso ocorre nas seguintes circunstâncias: 1) quando são textos exageradamente pessoais e 2) quando são textos que pouco incrementam nas discussões já promovidas neste blog.

Uma das grandes dificuldades de se publicar colaborações reside na capacidade dos leitores para assimilarem tais textos. A arte da leitura e interpretação - já percebi há algum tempo - é dominada por pouquíssimas pessoas. 

Eu, por exemplo, não concordo com alguns pontos cruciais no texto de D'Ambros. No entanto, isso não é motivo para ignorar esta importante contribuição. Lendo o depoimento de Bruno D'Ambros, percebe-se uma crítica às ciências humanas em geral. E é sobre este ponto, principalmente, que percebo um exagero nas suas críticas. No entanto, não se pode ignorar o fato de que suas impressões pessoais, perfeitamente justificadas, refletem o fato de ele estudar ciências humanas no Brasil. 

Não muito tempo atrás, publiquei uma postagem que mostra claramente como o estudo de filosofia é tratado de maneira superficial e até boba em nossas terras. O colaborador Youssef Cherem, escreve aqui sobre o medíocre ambiente profissional de seu cotidiano como professor de história da arte. E o colaborador Ítalo Oliveira apresenta neste link uma extensa discussão das mazelas do ensino de direito em nosso país.

Ou seja, diferentemente de certos ramos das ciências exatas e das ciências da saúde, ainda não existe em nosso país uma boa referência institucional quando o assunto é ciências humanas. Esta área do conhecimento ainda é tratada de forma primária e precisa urgentemente de um processo de internacionalização, para estimular jovens talentos a realizar pesquisas impactantes em filosofia, sociologia, educação, direito, política, artes e, quem sabe, até mesmo antropologia.

Para aqueles que prestarem atenção nas palavras de Bruno D'Ambros, deve ficar clara a seguinte mensagem: o obscuro vocabulário frequentemente empregado por profissionais de ciências humanas em nosso país serve apenas ao propósito de ocultar a ignorância inerente ao discurso e, consequentemente, àquele que discursa. Desta forma o autor mostra como até mesmo pessoas inteligentes conseguem se transformar em lamentáveis criaturas de profunda boçalidade. Para isso, basta cursar ciências humanas no Brasil.

Desejo a todos uma leitura crítica.
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O Futuro das Ciências Humanas
de Bruno D'Ambros


O jogo atroz de complicar o que é simples e de dificultar o que é fácil é, infelizmente, encarado tradicionalmente por muitos sociólogos, filósofos etc. como sua legítima missão. Foi assim que aprenderam e é assim que ensinam. Não há nada a fazer. Até o ouvido já está deformado: já só se consegue ouvir as palavras grandiloquentes (Karl Popper).

Foi-se o tempo em que as ciências humanas tinham algo de relevante para dizer ao mundo. Estou sendo misericordioso, porque pode ser que elas, na verdade, nunca tenham tido nada de importante a dizer de fato. O que elas se tornaram após a segunda metade do século XX não passa de um agregado de disparates, tolices e, em alguns casos, delírios completos. Perfeitos casos clínicos acadêmicos.

Tenho experiência. Sou um estudante de ciências humanas de uma universidade federal no sul do Brasil. Estou me formando. Há quatro anos venho presenciando cotidianamente estes delírios. Há quatro anos tenho visto a destruição sistemática de cérebros. Permaneci incólume graças aos meus estudos individuais em filosofia. Se não fosse por eles, estaria no mesmo lodo. Esta destruição tem várias causas possíveis: a própria educação brasileira, a incompetência dos professores ou a simples indiferença e ignorância dos alunos. Mas penso que a principal causa seja a própria disciplina em questão, as ciências humanas: história, geografia, sociologia, psicologia e, certamente, a rainha do nonsense, a antropologia. Perante tal quadro de disciplinas é impossível que qualquer sistema educacional, por melhor que seja, produza bons frutos.

A completa inutilidade atual destas disciplinas reside no fato delas terem perdido o elo que as ligava à realidade e passado a julgar o mundo segundo suas fantasias psicologizantes, relativizantes, subjetivistas, intencionalistas, fenomenologistas etc. Uma questão de método. Quando tudo passa a ser mera construção social, histórica, linguística, subjetiva, cultural, o caminho final não é outro senão o delírio verborrágico inócuo. Aliás, não tão inócuo assim, porque os pobres alunos que deste delírio participam acabam não só adotando suas ideias mirabolantes como também o modo de vida mirabolante. Se fossem somente proposições absurdas, tudo bem, algumas aulas de lógica dariam conta, mas parece ser condição sine qua non adotar todo um modo de vida igualmente absurdo. 

Como seu conteúdo é completamente inútil, a única maneira dos alunos verem aplicação é na política. Assim, não raro, grande parte dos participantes de seus cultos (os diversos -ismos das ciências humanas) acabam sendo aqueles que estão balançando algum cartaz por aí, fechando alguma rua, pichando algum muro com suas instrutivas frases politizadas ou fazendo parte daquelas antigas guildas mafiosas chamadas partidos políticos. Tentar dialogar com os partícipes destes cultos é praticamente impossível porque não há diálogo, no sentido platônico, não há a apresentação de argumentos e contra-argumentos, há tão somente fanatismo acadêmico, muitas vezes mais ferrenho do que qualquer religião poderia imaginar. Para quem duvida, basta participar de uma aula de antropologia e se verá qual a situação.

Quantas vezes já não presenciei, atordoado, professores que não sabem argumentar, expor ideias, que sequer sabem do que estão falando, que se escondem por trás de termos ininteligíveis, de frases rebuscadas, de citações aleatórias de Foucault, Barthes, Kristeva, Derridá, Lacan, Deleuze (sempre franceses!), que acham que inventaram a roda em filosofia, que possuídos, em transe, em completo delírio esbravejam que “odeiam a classe média porque ela é uma aberração” (mas ganham seus trocados com livros didáticos para catequizar os mais pobres coitados do ensino médio), que estão à frente da “greve x”, do “manifesto y”, do “abaixo assinado z”. Professores cuja última atividade é ensinar.

Os alunos formados em alguma ciência humana raramente sabem sequer as regras básicas de gramática. Aliás, gramática? Regras? “Há outras formas menos opressoras de se comunicar!” dizem. Talvez esta seja a resposta que tu recebas ao argumentar que o aluno, ou mesmo professor, não sabe conjugar verbos. Ou se, durante uma conversa, tu não consigas entender a relação entre x e y ele simplesmente te dirá: “Lógica? Há outras formas menos opressoras de pensar!” Então tu, pobre interlocutor confuso, vendo que é impossível argumentar, tentará, numa última tentativa de boa vontade, contar alguma piada para amenizar a situação, mas ele, o nosso caro “cientista humano” te dirá: “Piada? Esta forma machista, patriarcal, eurocêntrica e opressora de diversão às custas da dor alheia. Há outras formas de se divertir.” E então, é provável que te convide a terminar a profícua conversa inalando ou ingerindo alguma substância suspeita do ponto de vista de seus efeitos químicos.

Se eu fosse prescrever uma solução para tudo isso, simplesmente aconselharia uma volta a um método bem eficaz aplicado na Idade Média, o Trivium – gramática, lógica e retórica – o que era a filosofia analítica da linguagem da época. A gramática para aprender-se a escrever, usar as regras sintáticas e morfológicas para textos; a lógica para aprender-se a pensar, argumentar e expor ideias completas e coerentes e, finalmente, a retórica, para não se morrer de enfado ao ouvir nosso amigo “cientista humano” expor suas verborragias.

Pensar, que é o que as ciências humanas mais fazem, é essencialmente uma atividade linguística. Se não se sabe usar sequer as ferramentas mais básicas da linguagem acima expostas, como pensar coerentemente? A consequência só poderia ser o completo diálogo de surdos que temos hoje nas ciências humanas: um fala a, o outro b, e um terceiro c e ninguém se entende; mas todos vão para o bar discutir o futuro dos pandas ou da democracia no Congo ou da tribo dos Xinauaua do Acre “frente às políticas neoliberais e conservadores do nada-nadificante do ser-aí segundo o pós-perspectivismo foucaultiano.”

O futuro das ciências humanas? Chuto duas possibilidades: 1) ou elas cada vez mais voltam a se identificar novamente com a Filosofia, donde surgiram, e assim desaparecem do mapa; 2) ou elas cada vez mais se multiplicam em sub-disciplinas de “síntese” e se perdem cada vez mais em seus próprios jargões, delírios e jogos de poder por um lugar ao sol em algum novo departamento que se queira implantar em alguma decadente universidade pública brasileira. Infelizmente acredito que esta segunda opção é mais provável. 

Um caso final: durante um semestre, em um disciplina que eu cursava, havia um guri da Física que também havia pego a referida disciplina como optativa. Conheci-o no início. Pareceu-me inteligente, perspicaz, rápido e objetivo. As qualidades que se espera de um físico. Nunca mais o vi. Alguns semestres depois reencontrei-o. Havia transferido de curso. De Física para... Antropologia (!!!). Conversei com ele. Além do (salvo engano) completo desaparecimento das qualidades citadas, havia agora em seu corpo penduricalhos indígenas de todos os tipos, além de um profundo desprezo por  dinheiro, proporcional ao número de “mano” que ele falava. Desde lá tenho tido um palpite: se Einstein entrasse para um curso de ciências humanas no Brasil sairia um Tiririca. 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Usando a educação para melhorar a política partidária no Brasil


Começo esta postagem com dois fatos aparentemente díspares:

1) Tempos atrás publiquei uma postagem neste blog sobre um hipotético diálogo entre loucos internados em um hospício. Eu queria expor publicamente minha suposta habilidade para antecipar argumentos aparentemente sensatos em um contexto social insano.

2) Ontem à noite vi pela televisão um debate transmitido ao vivo entre os candidatos à Presidência da Nova República Dilma Rousseff e Aécio Neves.

Comparando esses dois fatos percebi que sou um lamentável amador quando o tema é "diálogos insanos". Ambos os candidatos à presidência eram incapazes de apresentar respostas objetivas, bem articuladas ou sequer honestas às perguntas feitas por eles mesmos. Durante o debate me senti como um louco em um ambiente de loucos, muito pior do que minha imaginação consegue alcançar. E como já percebi que a arte da argumentação está longe de ser remotamente sensata ou interessante até mesmo na população brasileira que deve decidir em quem votar nas eleições presidenciais, decidi escrever esta postagem, na esperança de que sirva de inspiração para a sistemática implementação da prática dos debates em nossas escolas.

Quando o político grego Clístenes (565 a.C. - 492 a.C.) propôs uma nova ordem política chamada "democracia", na qual significativos segmentos sociais decidiriam quem governaria o Estado, os gregos imediatamente perceberam a ampla importância social da arte da argumentação, também conhecida como a arte da persuasão. O bom político grego era uma pessoa que sabia argumentar.  

O conceito de democracia passou por grandes mudanças desde a sua concepção na Antiga Grécia. Hoje em dia não são apenas as elites sociais que votam, mas todos os cidadãos que pagam impostos e até mesmo jovens que nem ingressaram no mercado de trabalho ainda. Ou seja, a proposta grega do que se entende por democracia avançou, do ponto de vista de processo eleitoral. No entanto, a arte da argumentação piorou e muito. Esta situação coloca a democracia sob séria ameaça. Ao contrário do que muitos pensam, o que define um regime democrático não é apenas um fator social conhecido como "processo eleitoral", mas, principalmente, uma sólida educação para todos.

Anos atrás Cleverson Bastos e Vicente Keller publicaram o excelente livro Aprendendo Lógica (Vozes, 2000). Eu já discuti sobre esta obra em postagem anterior. É simplesmente uma belezinha, justamente por tratar de lógica do ponto de vista informal e, portanto, acessível a qualquer pessoa que tenha como pré-requisito a capacidade de leitura. Explorando temas fundamentais como meios de convencimento, sofismas e silogismos, é um livro perfeitamente adequado para estudos no ensino médio. Se juntarmos a essa obra outros textos clássicos como O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, temos uma excelente base teórica para dar início à prática do debate em escolas.

A arte da persuasão é assunto de extrema importância não apenas em qualquer ambiente social que anseie pelos ideais da democracia, mas até mesmo entre profissionais de inúmeras áreas do saber. Se o leitor clicar aqui, por exemplo, terá acesso a um excelente artigo sobre o tema, publicado pela Harvard Business Review. O artigo em questão é focado no mundo dos negócios. Mas a arte da persuasão encontra aplicabilidade em direito, medicina, engenharia, artes, história, idiomas, filosofia e ciências em geral.

Como desenvolver a arte da persuasão nas escolas? Através da prática de debates, principalmente entre alunos que tenham estudado as obras acima mencionadas, entre muitas outras. 

A prática do debate em escolas é uma tradição em muitos países, mas não no Brasil. Existem até mesmo competições nacionais de debate escolar em nações como Estados Unidos e França. Usualmente debates em escolas são promovidas da seguinte forma:

1) Alunos ouvem um determinado tópico e assumem uma posição em relação ao assunto apresentado.

2) Se os alunos forem membros de times, eles discutem entre si a respeito do tema.

3) Alunos ou times apresentam declarações iniciais.

4) Inicia-se o debate através de réplicas e tréplicas, obedecendo a regras de tempo de argumentação coordenadas por membros de uma equipe organizadora do debate.

5) Uma comissão julgadora decidirá qual equipe ou aluno venceu o debate.

Em um mundo no qual temas como nazismo ou terrorismo versus revolução social são praticamente anátemas, e em um país como o nosso, no qual muitos políticos já falam em censura da imprensa, a prática do debate escolar se mostra fundamental para garantir o estado democrático para as gerações futuras. 

Outra forma para a condução de debates é a prática do "advogado do diabo". Em meus tempos de escola, por exemplo, um professor dividiu uma turma em duas equipes. Uma das equipes deveria defender a importância do dinheiro na sociedade e a outra equipe deveria defender o fim do dinheiro, independentemente das crenças pessoais de cada um sobre o assunto. Lamentavelmente apenas dois alunos participaram do debate, o qual não foi bem sucedido. E não foi bem sucedido justamente porque a cultura do debate simplesmente não existe em nosso país. O brasileiro tem contato com debates apenas em épocas de eleições. E usualmente ele é um agente passivo que apenas acompanha debates entre candidatos a cargos políticos. Este fato vai em completo desencontro a qualquer regime democrático.

Portanto, se você é professor, estimule o debate em sala de aula, independentemente da área que lecione. Debates podem ser promovidos envolvendo assuntos muito diversos, como política ou até mesmo matemática. O estímulo ao debate em sala de aula tem a vantagem de rápida e naturalmente se estender ao seio da família e a outros segmentos sociais, incluindo a vida política partidária que tanto assusta em nossa nação. Afinal nossa pseudo-democracia já é piada no exterior.

sábado, 18 de outubro de 2014

Vale a pena fazer um doutorado?


Desde que iniciei este blog quase cinco anos atrás, uma das perguntas que mais ouço é a seguinte: Vale a pena estudar?

No excelente blog do jornalista José Galisi Filho há uma postagem sobre as carreiras dos desempregados. É uma discussão muito bem explorada na qual se mostra que, nos dias de hoje, alta qualificação tem se tornado sinônimo de desemprego. 

Um dos melhores alunos que tive, hoje com pós-doutorado pelo Instituto Max Planck (tendo sido bolsista da própria Sociedade Max Planck, Alemanha), não consegue emprego nem na Alemanha e nem no Brasil. 

Em reportagem publicada quatro dias atrás no site da revista Science, Carrie Arnold apresenta exemplos pontuais que ilustram o fato de que pesquisadores altamente qualificados não encontram mais emprego em universidades e procuram colocações em empresas que claramente alimentam preconceitos contra detentores do título de Ph.D. Isso porque um profissional com doutorado deve ser destreinado para ser, então, retreinado. E não há, entre profissionais de recursos humanos, a crença de que tal missão valha a pena ou seja sequer realizável. E este sinistro quadro define não apenas a realidade de mercado de trabalho dos Estados Unidos como também da Europa.

No Brasil, assim como no velho continente e nos Estados Unidos, há duas opções principais de emprego para doutores: universidades e indústria. 

Entre as universidades há as públicas (estaduais e federais) e as privadas. A contratação em universidades públicas depende de editais de concursos públicos, os quais ainda são poucos e com quantias de vagas muito limitadas. Além disso, dada a natureza dos concursos públicos, tem sido crescente o fenômeno de "carta marcada", onde ex-alunos de membros de bancas ou de colegas de membros de bancas encontram favoritismos. Universidades privadas em geral evitam a contratação de doutores, que são profissionais mais caros (na folha de pagamento) e que frequentemente demandam condições de pesquisa. Como na maioria das universidades privadas de nosso país administradores sequer sabem o que é pesquisa, esta é uma situação que gera muito desconforto dentro das instituições. 

Em reportagem assinada por Sabine Righetti para blog da Folha de São Paulo, há uma discussão sobre análise promovida por especialistas em políticas de ciência e tecnologia que afirmam não haver pesquisa aplicada em empresas no Brasil. A justificativa de empresários de multinacionais é que existe uma carência muito grande de doutores em nosso país. No entanto, na mesma reportagem é apontado o fato de haver considerável quantia de doutores em ciência e tecnologia que estão desempregados. Quatro anos atrás, por exemplo, o índice de desemprego entre doutores era de quase 30%, muito maior do que o índice de desemprego de 8% entre todas as categorias profissionais no mesmo ano. E mesmo entre os empregados, havia considerável quantia daqueles que tinham que assumir dois ou mais empregos simultaneamente, para garantir a simples sobrevivência. Ou seja, neste contexto pode-se apontar para o conceito de "qualificação exagerada". No Brasil não é uma boa ideia ter qualificação exagerada, se avaliarmos apenas a questão de oferta de empregos.

Portanto, agora temos elementos para responder à questão do título desta postagem. Vale a pena fazer um doutorado? A resposta depende de visão pessoal sobre os propósitos de um doutorado. Se a visão for restrita a mercado de trabalho, a resposta é não. Realmente não vale a pena fazer um doutorado, seja no Brasil ou no exterior. Mas se a visão for ideológica, certamente vale a pena! 

O que é uma visão ideológica sobre os propósitos de um doutorado? É aquela na qual um doutorado é encarado como uma séria preparação para a investigação científica e um passo fundamental para a formação de redes sociais que facilitem essa investigação científica. Ou seja, uma pessoa somente tem visão ideológica sobre os propósitos de um doutorado quando ela é apaixonada por pesquisa e honestamente sente que não poderia seguir outro caminho profissional sem se tornar uma pessoa extremamente frustrada.

Eu, por exemplo, me classifico como um profissional ideológico. Fiz um doutorado em filosofia vinte anos atrás, na Universidade de São Paulo. Durante quase toda a minha vida profissional trabalhei com fundamentos lógicos e matemáticos de teorias físicas. Por sorte, sou empregado. Mas se, por algum motivo, eu perdesse o emprego que tenho, encontraria enorme dificuldade para convencer alguém a me contratar por um salário decente.

Portanto, a pergunta mais fundamental a ser respondida não é aquela que está no título desta postagem. A pergunta que deve ser respondida é: "Quem é você?"

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Dia do Professor


Recentemente fui convidado para participar de uma discussão sobre o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Li esta obra quando tinha doze ou treze anos. Na tentativa de resgatar minha memória sobre a trama, percebi que havia lacunas. Então decidi reler o livro de Huxley em uma tradução de Vidal de Oliveira e Lino Vallandro deste grande clássico da literatura.

A trama gira em torno de um choque cultural entre o Selvagem (raramente chamado pelo seu nome, John) e uma civilização humana localizada em um futuro não muito distante, na qual todas as pessoas são produzidas pela indústria genética, a qual determina condições intelectuais e físicas que as pessoas devem ter para atender a necessidades do mercado de trabalho. Já o Selvagem é um bastardo que nasceu de forma natural em uma comunidade isolada da civilização, onde os humanos ainda são vivíparos, como nos dias de hoje.

Há um momento no livro em que Bernard Marx (homem geneticamente projetado para ser membro de castas superiores, mas cuja aparência física sugeria algum erro em seu desenvolvimento artificial no Centro de Incubação) usa o amigo Selvagem para conquistar elevado status social. E, como era de se esperar, em um certo ponto Selvagem não aceita mais esta covarde estratégia de Bernard. Ou seja, Bernard usufrui de sua nova condição social de prestígio por pouco tempo e acaba sendo menosprezado pelas castas superiores de maneira muito mais marcante do que sua aparência física (resultante do suposto erro em sua incubação artificial) pudesse justificar. Como reação emocional, Bernard decide se vingar de Selvagem. O motivo é simples: "Uma das principais funções de um amigo é suportar os castigos que nós gostaríamos, mas não temos possibilidade, de infligir aos nossos inimigos."

Pois bem. Hoje é o dia do professor. E professores são profissionais que tradicionalmente reclamam muito. Jamais se percebem greves de publicitários, advogados, arquitetos, psicólogos, engenheiros ou corretores de imóveis. Greves existem entre bancários, funcionários públicos e professores, ou seja, profissionais acostumados a esperar por reconhecimento de instâncias superiores, e não profissionais acostumados a avançar suas carreiras, conquistando novos espaços na sociedade. 

É claro que existem professores altamente satisfeitos com suas carreiras. Mas são exceções. Quem convive com professores sabe que são pessoas que usualmente reclamam muito. Mesmo este blog, mantido por um professor, concentra muitas reclamações. 

Professores reclamam de patrões que pagam pouco e cobram muito. Reclamam de alunos que não se interessam por suas aulas. Reclamam de governos que não investem em educação. Reclamam de pais de alunos que não estimulam o aprendizado de seus filhos. Reclamam de colegas que não reclamam junto com eles. Reclamam sem parar.

É claro que a posição social de um professor é delicada, dada a natureza de sua atividade profissional. Educação invariavelmente estimula o descontentamento. Sempre há mudanças a serem promovidas quando o assunto é educação. Sempre existem lacunas que devem ser preenchidas, caminhos que devem ser alterados, políticas que devem ser atualizadas, conhecimentos que devem avançar. 

No entanto, professores ainda são seres humanos, com todas as falhas de caráter que podem se manifestar em qualquer pessoa. E se insatisfações fazem parte do cotidiano de um profissional, devemos avaliar com especial cuidado as possíveis consequências sociais do trabalho deste profissional; especialmente levando em conta o fato de que professores exercem considerável influência praticamente diária sobre crianças e adolescentes. 

Indo direto ao ponto, minha pergunta é: Professores podem descarregar suas frustrações profissionais sobre os próprios alunos? 

Voltando à obra de Huxley... Quando Bernard Marx estava no auge de seu prestígio social, ele se afastou de seu amigo Helmholtz Watson. Ao perder o novo status, pediu desculpas a Helmholtz e este as aceitou. A magnanimidade de Helmholtz perturbou Bernard. Portanto, assim como Selvagem, Helmholtz também deveria ser castigado. Isso porque Bernard voltou a se sentir socialmente inferior. E o magnânimo perdão de Helmholtz colocava Bernard em posição mais baixa ainda.

Professores frequentemente são lembrados e até enaltecidos, principalmente em datas como a de hoje. Eventualmente alunos prestam homenagens e até fazem brincadeiras carinhosas, como levar uma maçã ou uma melancia (como aconteceu comigo anos atrás) para o professor. Mas isso provoca algum sentimento de real ou perene satisfação? A resposta só pode ser negativa, uma vez que greves de professores volta e meia são notícias na mídia. E quando ocorrem greves, certamente são os alunos que pagam o preço maior por esta insatisfação.

E mesmo quando não há greves, podemos assegurar que professores não descarregam suas frustrações sobre os alunos, assim como Bernard Marx decidiu se vingar de sua perda de breve prestígio social, procurando atingir seus amigos mais próximos? 

Quando um professor reclama com seus alunos da desvalorização de sua profissão, ele está construindo algo? O que esses alunos podem fazer a respeito? 

Quando professores reclamam com amigos e familiares sobre suas frustrações profissionais, ele está construindo algo? O que seus amigos e familiares podem fazer a respeito? 

Este é um dos motivos para a existência deste blog. Como sou professor, fico impossibilitado de não reclamar. Mas não quero reclamar das minhas frustrações diante de amigos, familiares ou alunos. Quero reclamar para quem esteja disposto a ouvir e fazer algo a respeito. Mas também não quero reclamar de minhas frustrações pessoais, as quais interessam apenas a mim. Quero reclamar apenas de minhas frustrações com a educação como um todo. E a reclamação que faço hoje é sobre certas reclamações de professores.

Poderíamos analisar o contexto de reclamações de professores da seguinte maneira. Se o professor não é valorizado em sua instituição, saia da instituição e vá para outra! Se não existe instituição que o valorize, abrace outra carreira! Se não existe carreira alternativa adequada para o professor, que o faça se sentir profissionalmente melhor, então provavelmente a culpa é dele mesmo! 

No entanto, sempre existem nuances que jamais podem ser ignoradas, como contextos familiares e sociais e até mesmo pessoais. O fato é que o problema da insatisfação de professores não é fácil de resolver, a não ser em casos muito particulares. Mas pelo menos um exercício de auto-crítica precisa ser realizado por aqueles que têm como profissão o ensino. 

Dia dos professores não deveria ser uma data a ser celebrada com mensagens automáticas e socialmente condicionadas de parabéns, como se pratica na sociedade futurista de Admirável Mundo Novo. Dia dos professores deveria ser uma data de reflexão de cada profissional do ensino. E a reflexão deve ser a seguinte: "O que mudou para melhor em minha atividade profissional  no ano que passou?" Se a resposta for "nada", então o profissional de ensino deve responder à seguinte questão: "O que posso fazer para melhorar minha atuação profissional?" 

Não há problema algum em reclamar, desde que as reclamações sejam feitas pelos canais certos e desde que sejam formuladas no sentido de buscar por soluções. Como educação é um fenômeno social no qual governos desempenham forte papel, os canais certos são as mídias de alcance público (jornais, revistas, televisão, rádio e internet), as mídias de alcance especializado (periódicos científicos e livros acadêmicos) e o contato direto com aqueles que exercem cargos de poder. 

Focar reclamações diante de amigos, familiares ou alunos não é, em geral, uma estratégia eficaz. Pelo contrário, é uma estratégia que geralmente apenas cansa quem ouve. Focar reclamações diante de colegas de trabalho também não ajuda, a não ser que uma massa crítica de colegas esteja empenhada em exercer ações que busquem por mudanças. 

Professores devem perceber que a profissão abraçada é ímpar. É uma profissão na qual a insatisfação é ingrediente básico (uma vez que educação demanda insatisfação), a dependência de políticas governamentais é muito forte e o produto vendido é raramente apreciado mas fundamental para o desenvolvimento de sociedades inteiras. Diante deste contexto social, um professor deve saber muito mais do que a matéria que leciona. Ele deve saber como se destacar socialmente, sem depender de um Selvagem que o faça se sentir melhor consigo mesmo. 

Se um professor não é valorizado na instituição onde trabalha, por que ele não cria então um ambiente que precise dele naquela instituição? Esta é uma saída bem mais interessante do que o simples abandono da instituição, conforme sugeri acima. 

Enfim, insisto nesta postagem que professores precisam ser muito mais criativos do que normalmente mostra a prática. Essa necessidade da criatividade existe justamente por conta das características ímpares desta profissão, as quais raramente são contempladas com seriedade pelos próprios profissionais de ensino. Se isso não for feito, o resultado será inevitavelmente trágico, como ocorre no final do livro Admirável Mundo Novo. Recomendo a leitura.

domingo, 12 de outubro de 2014

O peso do conhecimento


O grande ícone do jazz Miles Davis dizia que conhecimento é liberdade, enquanto ignorância é escravidão. Para um músico genial e revolucionário que sempre foi vítima de forte preconceito racial, talvez essa afirmação faça algum sentido. Mas, na atividade científica, tal associação entre conhecimento e liberdade é, no mínimo, precipitada. 

Kevin Boudreau (London Business School), Eva Guinan (Harvard Medical School), Karin Lakhani (Harvard Business School) e Christoph Riedl (Northeastern University) publicaram em agosto deste ano um preprint no qual é relatada uma extensa análise sobre relações entre projetos científicos e pareceres apresentados por especialistas que devem avaliar o mérito de tais projetos. 

Este é um tema que interessa tanto a pesquisadores que buscam obter financiamentos para o desenvolvimento de suas pesquisas quanto aqueles que desejam simplesmente publicar seus resultados de investigação científica em bons periódicos especializados.

Os autores convocaram 142 pesquisadores de uma instituição líder em pesquisas médicas para avaliar 150 projetos, totalizando 2130 pares projeto-avaliador. Ou seja, cada um dos 142 pesquisadores avaliou 15 projetos, escolhidos aleatoriamente. Neste processo avaliadores não sabiam quem eram os autores dos projetos, autores não sabiam quem eram os avaliadores e estes não trocaram ideias entre si. Ou seja, foi um experimento promovido por Boudreau e colaboradores que está em completa sintonia com uma discussão promovida neste blog mais de dois anos atrás, sobre graves inconsistências entre práticas promovidas por bancas de pós-graduação e a atividade científica em si.

No preprint em questão os autores avaliam de que forma a distância intelectual entre o corpo de conhecimento apresentado em projetos de pesquisa e o conhecimento científico do próprio avaliador interfere nos pareceres apresentados. As conclusões apontam para a clara evidência de que os pareceres mais negativos (contrários a aprovação) são dados predominantemente em duas circunstâncias:

1) Quando o projeto submetido se aproxima demais da área de atuação profissional do próprio avaliador e

2) Quando o projeto de pesquisa é extremamente inovador.

Nesta postagem quero focar sobre o item 2.

Em suma, este preprint de Boudreau e colaboradores é mais uma evidência, entre várias já levantadas ao longo da história, de que cientistas não gostam muito de novidades.

É claro que a afirmação acima também precisa ser avaliada com cuidado. Afinal, a atividade científica em si se caracteriza pela busca incessante por novidades relevantes e, preferencialmente, impactantes. A busca por novidades de impacto chega a ser institucionalizada por parâmetros muito usuais, como o fator de impacto de periódicos. No entanto, jamais devemos esquecer que ciência é desenvolvida, estimulada e divulgada por pessoas. E pessoas são sempre tendenciosas.

Se um experiente cientista é confrontado com uma ideia extraordinariamente nova, deve ele admitir que grande parte de seu conhecimento adquirido com tanto esforço ao longo de décadas, repentinamente se torne obsoleto? Qual é o peso psicológico de ideias desafiadoras sobre um profissional que depende de seu intelecto e de seu conhecimento não apenas como forma de sobrevivência, mas até mesmo como forma de autoestima?

Eu mesmo admito ter um interesse pessoal sobre este tema, uma vez que recentemente escrevi um artigo em parceria com Otávio Bueno e Newton da Costa no qual contestamos várias visões dominantes sobre o emprego de métodos formais em linguística. Este trabalho foi brevemente anunciado neste blog pouco tempo atrás e submetido para publicação. No entanto, editores de três periódicos barraram o artigo, sem o encaminharem a referees. A alegação de todos é que nosso artigo não se enquadra no perfil de seus respectivos periódicos. O aspecto mais estranho é que esses mesmos veículos sistematicamente publicam artigos sobre métodos formais em linguística. 

Desenvolvemos então uma versão bem mais extensa e detalhada de nosso trabalho e o submetemos novamente, incluindo aplicações muito específicas em fragmentos expressivos da língua inglesa. É uma estratégia para tentar convencer os mais céticos. 

Obviamente não podemos ignorar os milhares de casos de pesquisas pseudocientíficas que parecem ser melhor definidas por mera teimosia e não qualquer postura racional. Mas como diferenciar uma boa ideia de simples teimosia irracional? Até hoje não existe uma distinção clara entre ciência e pseudociência

Isso significa que meu artigo mais recente com Bueno e da Costa pode ser, de fato, uma ideia simplesmente insana. O único problema é que até agora ninguém contestou pontualmente nossa proposta. E, enquanto isso não acontecer, seremos lamentavelmente teimosos.

Em entrevista, Karim Lakhani (um dos autores do preprint mencionado no início desta postagem) disse que ideias novas, aquelas que combinam informações de maneira surpreendente, não são bem recebidas. Ou seja, o conhecimento não nos torna apenas críticos, mas também pode nos transformar em pessoas exageradamente críticas. 

Enfim, como já foi discutido em outras ocasiões neste blog, ciência é investimento. E não é apenas um investimento de recursos materiais, mas de ideias. E, como ocorre em todo investimento, sempre existe o risco do fracasso. O brilhante físico japonês Takao Tati que o diga.

Agradeço a Carlos de Brito Pereira pela recomendação do artigo de Boudreau e colaboradores.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Análise sobre uma imagem deste blog


Arlene Sant'Anna, uma das responsáveis por colaborações neste blog, é estudiosa de semiótica. Recentemente dei um presente a ela: um pôster contendo uma imagem que produzi usando Photoshop. Em função disso, ela resolveu fazer uma breve análise sobre a imagem, algo que certamente me compromete. Como gostei de sua análise, decidi reproduzi-la aqui com a devida autorização. Vale observar que o pôster contém uma assinatura digital personalizada e uma numeração específica, o que impede a reprodução por impressão, a partir da imagem acima, a qual já havia sido veiculada em postagem anterior

Com a palavra, minha imparcial irmã.
_______________

Para parafrasear Lucy Niemeyer, a criação de uma obra é investida de significados e, quando entra em circulação, passa a ser elemento de informações de seu autor, sua visão de mundo, sua compreensão subjetiva de um universo em que está inserido.

O texto acima mostra um plano de fundo negro em que surgem cubos. Tais cubos vão surgindo do fundo negro e vão se mesclando em traços retos, duros de tamanhos variados. No primeiro plano, um cubo maior em que se notam, nas faces, um X em cada face e, no interior deste X, na face do cubo, linhas circulares, retas, sinuosas e decorativas. As cores definindo as linhas são acinzentadas, as células ao fundo das faces do cubo apresentam a cor alaranjada em nuances ígneas. 

A Semiótica postula que o texto diz o que diz, não importa o que o “autor quis dizer” e sim como o autor disse e como está dito.

Assim, em uma breve análise, entende-se o plano de fundo negro, como o vácuo que sustenta o investimento figurativo de primeiro plano, os cubos. Isso representa o universo do nada que faz surgir os cubos provenientes de inspiração, provenientes de um pseudo-nada, mas rico em trazer a subjetividade da criação. Os cubos vão surgindo em linhas retas, quadradas, de forma a se encaixar uns aos outros até o cubo maior quase perfeito, exceto pela ponta proeminente na parte superior. O que se entende a ponta como o trabalho inacabado e pronto para emergir em outra forma geométrica.

Os cubos são caixas, a figura geométrica fechada em si. Apresentam círculos, linhas retas e linhas sofisticadas em suas características decorativas, estas linguagens pertencem ao eixo semântico que nos diz: linhas retas nada mais são do que pontos em junção, representando a continuidade; os círculos, retas que se fecham, representando o fechamento de elementos subjetivos; linhas decorativas representam a sofisticação das retas de forma de beleza, tradição e antiguidade. Em outras palavras, se tem a polêmica, o controverso, a retidão, a riqueza, o cuidado, a intimidade fechada em compartimentos, os segredos, vontades, desejos, as paixões que movem o ser.

A cor ígnea remete à energia, ao consumo, à ascensão, ao apagamento, à ascendência e à decadência. As linhas acinzentadas, remete à depressão e melancolia, mas em vista da cor quente, a energia se destaca.

Ao se ler este texto, ao se entender que toda criação do ser humano traz o perfil do criador, sua ideologia, sua formação discursiva e, em face disto, pode-se ler o autor no momento da criação, quais foram suas condições de produção? Em que momento o processo criativo se deu? Mas a subjetividade de seu criador deixa inexoravelmente sua marca pessoal. Assim se revelou o texto.

Diversão livre de contexto


Esta é uma postagem para o leitor se divertir em conversas informais com os amigos. Poucas coisas são tão ruins quanto frases isoladas de qualquer contexto. Mas ainda assim você pode se passar por inteligente, com citações divertidas sobre educação e concebidas por pessoas que vão desde grandes pensadores como Sócrates, o Pai da Filosofia, até George Clooney, um ator. Aqui vai.

"Uma mente é como um paraquedas. Não funciona se não abrir." Frank Zappa

"Educação é aprender aquilo que você nem sabia que não sabia." Daniel Boorsting

"Se sua ausência não faz diferença alguma, sua presença também não faz." Anônimo

"Nas grandes nações educação pública será sempre medíocre, pelo mesmo motivo que em grandes cozinhas a comida é sempre ruim." Friedrich Nietzsche

"Eu gosto do professor que oferece alguma coisa a mais para pensar além de tarefa de casa." Lily Tomlin

"Eu leciono matemática no ensino médio. Vendo um produto que o mercado não quer, mas que é forçado a comprar por lei." Dan Meyer

"É preciso suar o cérebro." Newton da Costa

"Ninguém jamais se afogou em seu próprio suor." Ann Landers

"Nossa professora está sempre conversando com a sua amiga imaginária, Turma." Anônimo

"Você não pode depender de seus olhos quando sua imaginação está fora de foco." Mark Twain

"Você nunca aprende muita coisa ouvindo você mesmo falar." George Clooney

"Se é simples, é falso. Se não é simples, não funciona." Paul Valéry

"Nunca permiti que minha escolaridade interferisse em minha educação." Mark Twain

"Educação é a habilidade de ouvir praticamente qualquer coisa sem perder a calma ou a auto-confiança." Robert Frost

"Crianças não lembram o que você tenta ensinar a elas. Elas lembram o que você é." Jim Henson

"Uma universidade é aquilo em que uma faculdade se transforma quando o corpo docente perde interesse em seus alunos." John Ciardi

"Sem educação estamos sob um horroroso e mortal perigo de levar a sério pessoas educadas." G. K. Chesterton

"Sua ignorância não reside naquilo que você não sabe, mas naquilo que pensa que sabe." Anônimo

"Devo dizer que acho televisão muito educacional. No momento em que alguém a liga eu vou à biblioteca para ler um bom livro." Groucho Marx

"Crianças, hoje em dia, são tiranos. Elas contradizem os seus pais, devoram a comida e dominam seus professores." Sócrates