sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A percepção dos alunos sobre os melhores professores


Dois anos atrás publiquei neste blog uma brincadeira na qual uma pessoa deveria aplicar matemática para decidir se casaria com a paixão de sua vida

Apesar do tom irônico da postagem, as ferramentas indicadas na postagem acima citada são instrumentos básicos e bem conhecidos sobre teoria das decisões. 

Decisões fazem parte do cotidiano de todas as pessoas, desde processos de escolha sobre o que comer no café da manhã até momentos em que um professor deve definir se aprova um aluno em uma disciplina ou não. 

Quando fui chefe do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná, tentei convencer professores de que eles deveriam ser avaliados pelos seus alunos. No entanto, docentes parecem se sentir ameaçados diante da perspectiva de avaliações tendenciosas. Esta não deixa de ser uma visão meramente espelhada dos próprios profissionais do ensino, uma vez que, como já demonstrei em outra oportunidade, pessoas são incapazes de serem imparciais.

Pois bem. O que isso tudo tem a ver com o título da postagem?

No mês passado Michela Braga, do Departamento de Economia da Università degli Studi di Milano (Itália) e colaboradores publicaram artigo em Economics of Education Review no qual demonstram que os melhores professores são aqueles que recebem as piores avaliações de seus alunos. 

O critério para definir os melhores professores é justamente o desempenho de seus alunos em disciplinas cursadas posteriormente. Neste contexto, os melhores docentes são aqueles que exigem mais de seus pupilos. 

Os dados foram obtidos a partir de documentos administrativos da Università Bocconi, em Milão, Itália. Para ter acesso a uma versão preliminar do artigo sem ter que pagar os US$ 19,95 exigidos pela editora Elsevier, clique aqui.

Um dos aspectos mais interessantes do artigo de Braga e colaboradores é a concepção de um modelo que ajuda a compreender os resultados obtidos e que, além disso, permite apresentar evidências de que alunos avaliam professores a partir das utilidades percebidas.

Esta é uma informação extremamente importante, uma vez que percepção de utilidades é ingrediente fundamental em tomadas de decisão. Na postagem mencionada sobre teoria das decisões, pequei por não reforçar o eventual aspecto subjetivo na determinação de utilidades. E no artigo de Braga e colaboradores fica assumido que, intuitivamente, alunos empregam rudimentos muito elementares da teoria das decisões quando avaliam seus professores.

A avaliação de alunos sobre o desempenho de seus professores tem sido cada vez mais comum em universidades do mundo inteiro, apesar de serem quase inaplicáveis ou inócuas em universidades públicas de nosso país. Elas ajudam a determinar a clareza de um professor em sala de aula, a logística da disciplina ministrada e até mesmo aspectos mais básicos como assiduidade e pontualidade. Normalmente tais avaliações são usadas como instrumentos de seleção e motivação de profissionais do ensino. 

No entanto, o recente e importantíssimo trabalho de Braga e colaboradores mostra de maneira clara e objetiva que mesmo instrumentos de avaliação devem ser avaliados. Neste sentido, tanto instrumentos que avaliam desempenho de alunos quanto aqueles que avaliam desempenho de professores devem ser contextualizados com a política educacional de cada instituição. Sem uma definição clara dos propósitos de uma instituição de ensino, não há como se beneficiar com instrumentos de avaliação. Isso porque cada pessoa neste mundo, seja aluno ou professor, tem suas próprias peculiaridades, interesses pessoais e tendências.

E apesar da multiplicidade de interesses frequentemente divergentes entre docentes e discentes em uma instituição de ensino, ainda há elementos universais detectáveis, como a correlação negativa entre bons professores e a percepção de alunos sobre seus mestres.

Aproveito para agradecer ao professor Carlos de Brito Pereira pela indicação do artigo de Braga.

5 comentários:

  1. Professor,
    Compartilhei seu post no facebook, pois acho essa questão bem pertinente. Porém, não devemos considerar que os alunos são tão tendenciosos assim, não acha?
    E gostaria de saber quais são os critérios que você adotaria na avaliação dos professores na época que era chefe de departamento, pois acredito que com as perguntas certas podemos avaliar se um professor é bom ou não.
    Muito bom esse tema!
    Murilo Mello.

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    1. Murilo

      Confiar na opinião de alunos é confiar na opinião de pessoas. Em geral, não confio em pessoas.

      Na época em que tentei implementar avaliação de professores promovida por alunos eu tinha uma meta muito mais simples. Apenas queria saber a respeito de hábitos irregulares e tentar lidar com eles.

      Com relação a critérios para determinar se um professor é bom ou não, é difícil responder a essa questão sem uma política pedagógica clara na instituição. Não acho que uma pessoa como Newton da Costa, por exemplo, seria considerada como um bom professor em um curso preparatório para vestibular. Mas é um brilhante professor em programas de graduação e pós-graduação que priorizem pesquisa de alto nível.

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    2. Entendi o dilema, realmente é difícil.

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  2. Estou muito surpreso com o resultado dessa pesquisa.

    Eu sempre intuí que explicações incompletas podem ajudar no aprendizado. Explico: comparemos dois livros sobre Cálculo: um extremamente popular, como o (infame) do Stewart e outro mais avançado, com explicações mais secas. Quando ingressei na universidade, considerei que os melhores livros eram aqueles que guiavam o leitor do começo ao fim de cada explicação, passo-a-passo. Nesse aspecto, o Stewart seria claramente superior. No entanto, com o tempo percebi que o que eu aprendia através destes livros fáceis era facilmente esquecido, pois não sofri pra absorver o conteúdo. É mais ou menos como o ditado popular: o que vem fácil, vai fácil. Percebi que os livros que me forçavam a pensar (muitas vezes porque as explicações não era extremamente detalhadas) faziam com que as coisas realmente ficassem comigo por um bom tempo.

    Extrapolando essa ideia, penso que talvez o caso seja análogo com professores.

    Porém confesso que achei estranho o resultado da pesquisa.
    Em minha universidade, alunos criaram um site de avaliações de professores chamado UFABC Help (http://ufabchelp.me). Só quem é aluno tem acesso por enquanto, mas deixo o link, de qualquer modo. De maneira geralmente, os professores que são extremamente exigentes, mas que têm boa didática têm avaliações muito boas no site (a avaliação é numérica também, além dos comentários que podem ser deixados) e usualmente são considerados justos.

    O curioso, porém, é que agora divulga-se a lista de professores de cada turma na matrícula e nessa ocasião as pessoas costumam fugir de turmas com estes professores. Por exemplo, uma vez tiveram de fechar a turma de um professor desse estilo por falta de procura.

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    1. André

      Observe que o critério para definir bom professor (de acordo com os autores da pesquisa) se resume ao desempenho de seus alunos em disciplinas subsequentes. Isso necessariamente os torna mais exigentes. No entanto, ser exigente não significa ser um bom professor. É muito fácil confundir exigência com simples chatice e visão obtusa.

      Outra coisa é a sua surpresa com o resultado da pesquisa. Ela parece ser justificada por dois fatores, de acordo com o seu comentário: 1) Seu perfil pessoal como estudante e 2) Suas impressões pessoais sobre o UFABC Help. Aparentemente você é um raro exemplo de aluno que gosta de desafios e é impulsionado por eles. Mas a pesquisa de Braga aponta que esta não é a tendência usual de alunos.

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