quinta-feira, 17 de abril de 2014

Avaliação e Criatividade


O texto abaixo foi escrito pelo professor Klaus de Geus, gerente de projetos de Pesquisa e Desenvolvimento na COPEL (Companhia Paranaense de Energia) e editor do periódico Espaço Energia. Klaus de Geus é também autor do livro Mentes Criativas, Projetos Inovadores (Musa Editora, 2010). Além disso tem colaborado há anos com alguns programas de pós-graduação na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Esta postagem é muito oportuna, levando em conta a recente publicação neste site sobre a editora e a revista Polyteck. Aliás, fortemente recomendo que o leitor clique neste último link para acessar informações sobre data, horário e local da palestra que a equipe Polyteck está organizando em parceria com este blog.

O livro acima mencionado do professor de Geus trata justamente da interface entre o mundo acadêmico e a realidade do empreendedor, tema ainda tido como tabu em universidades brasileiras, especialmente as públicas. Até mesmo a Polyteck publicou recentemente matéria sobre assunto correlato: o resultado de pesquisas acadêmicas financiadas pela indústria.

No texto a seguir, que Klaus de Geus escreveu exclusivamente para este blog, são discutidas as relações entre avaliação escolar e criatividade. Levando em conta que o autor convive diariamente com dois mundos ainda opostos no Brasil (o acadêmico e o do empreendedorismo) creio que o leitor pode ganhar muito com as perspectivas apontadas.

Apenas para adiantar um dos temas abordados nesta postagem, cito um conjunto de experiências que eu mesmo vivencio diariamente na UFPR. Eu simplesmente não posso discutir sobre temas não contemplados nas ementas das disciplinas que leciono. E o mais bizarro é que esta proibição não vem da instituição, mas dos alunos.

Desejo a todos uma ótima leitura.
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Educação versus Doutrinação

A avaliação de aprendizado é certamente um dos tópicos mais discutidos no contexto da educação. Discute-se, por exemplo, a partir de que momento a avaliação se torna útil como complementação das ferramentas de aprendizado e também quais são as formas mais efetivas de aplicá-la. Porém, no fundo, todos sabemos que a pergunta que se tenta responder é: “o aluno aprendeu ou não?”.

Todos havemos de considerar que, face à complexidade de funcionamento de nossa mente, a qual ainda estamos muito longe de compreender, fazer essa pergunta significa encarar um desafio muito grande que, provavelmente, gerará informações repletas de incertezas.

O elemento mais palpável em termos de resultado da educação é aquele em que se considera o indivíduo já formado. O histórico pode ser um bom indicativo dos aspectos que devem receber atenção. O problema é que, por ser o resultado final, não serve como parâmetro para decisões dentro do processo educacional, o que, em um contexto extremamente dinâmico pode exercer impactos significativos. Todos nós estamos percebendo que o comportamento de professores e alunos, além de outros aspectos, tem mudado de maneira significativa antes mesmo de se completar um ciclo. Se tivéssemos uma maneira de simular o que um indivíduo se tornará tomando como referência sua situação atual (um processo markoviano?), poderíamos mudar seu curso caso os resultados vislumbrados não fossem considerados satisfatórios. Mas o que seria um resultado satisfatório?

Parece que, à medida que progredimos em um modelo de avaliação, faz-se uma pergunta que desmantela completamente o paradigma do momento. Resta-nos, portanto, fazer conjecturas sobre o efetivo índice de aproveitamento das pessoas em seu longo caminho de capacitação para a vida. Sob essa ótica, o sistema vigente parece continuar preconizando a compreensão de fenômenos ou o conhecimento sobre determinada disciplina de forma isolada.

O paradigma vigente de resolução de problemas complexos é sua subdivisão em problemas mais simples, de fácil solução, na esperança de que, juntando as soluções, consiga-se uma solução plausível para o problema original complexo. Esse tipo de pensamento funciona em muitas áreas, porém, sob certo ponto de vista, ele nos cega. A simplificação de problemas parece evidenciar a incapacidade humana de lidar com problemas complexos. Fugimos de problemas que exijam interação entre diversas áreas do conhecimento, de acordo com a classificação que nós mesmos fazemos. Entretanto, o mundo parece ser feito de problemas complexos sem qualquer tipo de classificação dos elementos de conhecimento necessários para sua solução.

Lembro-me, por exemplo, das aulas de matemática, onde éramos ensinados a resolver uma conta ou, no máximo, um problema proposto que descrevia uma simples atividade do dia a dia. Jamais nos ensinavam a enxergar o que queriam dizer certas equações, o que havia por trás do mecanismo de resolução de um problema. Fomos criados para um mundo mecanicista e reducionista.

As tarefas de casa eram feitas para satisfazer uma linha de pensamento, qual seja, a do professor, que no fundo retratava a metodologia de ensino. Se alguém pensasse diferente e evidenciasse esse pensamento, colheria as consequências mediante notas baixas. A pior coisa que havia era inventar algo que não existe. Na pré-escola, era errado pintar um cão de verde, pois cães não são verdes. Claro, a cor de um objeto é resultado de uma complexa interação entre as diversas frequências das ondas de luz. Assim, torna-se evidente que é possível alterar a “aparência cromática” de um objeto. Mas nós fomos obrigados, desde o princípio, a pensar “normal”. No ensino fundamental, não podíamos inventar algo que não existisse de fato, por exemplo, numa redação, com a presença de um ser que se sabe não existir, um dragão ou um duende, e assim cortava-se uma ótima oportunidade de explorar a criatividade de uma criança. No ensino médio, já estávamos quase que totalmente condicionados. Não nos atrevíamos mais a criar. Nossos trabalhos só continham elementos “lógicos” ou, melhor dizendo, “normais”. Chegamos ao ensino superior com uma mordaça no pensamento, com a mente reprimida, carente de liberdade, sem, entretanto, ter o discernimento do que merecia ser questionado ou não.

Quem nos ensina a ser criativos? Quem nos ensina a questionar? Quem nos ensina a desafiar? Quem nos ensina o senso crítico? Não é na escola que devemos aprender a ser críticos? Não é na escola que devemos aprender a argumentar? A questionar o status quo? Qual é o lugar onde os paradigmas devem ser quebrados? Onde deve se desenvolver o senso de inovação?

O que hoje se vê nas “carteiras” de instituições de ensino superior (clientes?) são pessoas que em sua grande maioria estão interessadas primordialmente em um pedaço de papel. Elas pagam por aprendizado, mas não é exatamente isso o querem receber. O que elas querem receber é apenas o certificado de que aprenderam, prescindindo do desejo de que aquele pedaço de papel certifique a verdade.

Mas as entidades regulatórias também cumprem o seu papel de amordaçamento muito bem, embora provavelmente não queiram. A repressão ao pensamento se concretiza nas regras absurdas e no formalismo exacerbado. Todos sabemos que a criatividade guerreia contra a organização! Ou não sabemos? Sim, um ambiente criativo, onde o pensamento flui, precisa de liberdade. A essa conclusão a ciência já conseguiu chegar, por análises sensatas e observações nos moldes científicos. Entretanto, ainda não tem um modelo que explique como a criatividade ocorre.

Ora, se a ciência ainda não conseguiu descobrir como a criatividade ocorre, como pode explorá-la? Como pode preconizar diretrizes com a finalidade de fomentá-la?

Hoje em dia, um professor tem que especificar tudo o que será visto em aula. Não pode haver desvios, do contrário o “planejamento” não foi cumprido. Isso significa que a palavra “planejamento” está sendo usada de forma indevida, pois planejar não significa especificar. O que acontece se um aluno faz um questionamento em aula, o professor deixa de cumprir aquilo que estava programado, e progride em uma discussão que trará muito mais benefícios a todos, contribuindo para a construção até mesmo de seu caráter?

Nós podemos antever o que acontece: o professor será punido. A “falha” do professor poderá se estender ao curso, e também à própria escola. No limite, juntando diversas “falhas” do mesmo tipo, a escola poderá ser descredenciada por ter promovido o aprendizado dos alunos de um modo “fora da caixa”. Esse é o preço de se tentar automatizar a definição do caráter, o processo criativo e a aquisição do conhecimento. Ninguém até hoje conseguiu modelar de forma convincente o funcionamento da mente humana. Entretanto, os órgãos reguladores impedem aquilo que consideram pernicioso, porém é a chave do aprendizado, que é dar vazão ao senso crítico.

De uma coisa, entretanto, podemos estar certos: a experimentação e a liberdade de pensamento são cruciais no processo criativo e de aquisição de conhecimento. Alguém um dia escreveu que a criatividade se aprende por uma espécie de osmose. Uma pessoa se torna gradativamente criativa ao conviver com a criatividade, ao interagir com outras pessoas criativas. Podemos estender isso à questão da aquisição do conhecimento. Os alunos aprendem com a interação com seu professor. Aliás, não vamos nem mencionar o fato de que o professor também está aprendendo nessa interação. Temos que dar maior vazão à osmose, e não a receitas de bolo. A rigidez da receita impede a experimentação, que é a chave da criação e da geração de conhecimento.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Não sei o que vocês pensam a respeito, mas para mim as avaliações no Brasil são uma verdadeira loteria, ou seja, que estuda (decora) o que caiu na prova se dá bem, que estuda de verdade para aprender e deixa de memorizar um assunto irrelevante ou um teorema num apêndice de um livro, muitas vezes se dá mal. Enfim é simplesmente um teste de resistência mental que não avalia nem a capacidade muito menos a criatividade de qualquer indivíduo.

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