quinta-feira, 20 de março de 2014

Joan Baez no Brasil: antecipação de cena?


Meu filho acaba de voltar de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O motivo de sua viagem foi um show de Joan Baez, que ocorreu ontem à noite no Auditório Araújo Vianna.

Joan Baez é uma cantora folk norte-americana, ícone do festival de Woodstock e conhecida pela natureza de protesto político-social em suas canções e até mesmo fora dos palcos. Foi presa duas vezes em manifestações públicas de protesto.

É a primeira vez, ao longo de cinquenta e quatro anos de carreira, que Baez faz um show em nosso país. Mas isso não é resultado de descuido dela. Em 1981, Baez tentou vir para cá. No entanto, foi proibida pela Ditadura Militar de pisar em solo brasileiro.

Baez não surpreendeu apenas pelo absoluto domínio sobre a plateia de quase três mil pessoas e pela assombrosa suavidade de sua voz e impecável técnica de canto. Em show realizado na capital do estado de origem de três dos cinco militares que governaram o Brasil na época da ditadura, Baez revelou que está estudando português. Não apenas conversou com o público em nosso idioma, como também cantou Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré, e Cálice, de Chico Buarque. 

A reação do público foi intensa. Pessoas erguiam o punho, ao som da música de Vandré, revivendo um passado de cinquenta anos que hoje parece se repetir.

Um processo de doutrinação (pseudo) marxista está infestando escolas da rede pública em diferentes estados da União. O governo federal apoia ditaduras espalhadas mundo afora, incluindo a de nossos vizinhos venezuelanos. O povo brasileiro é um dos mais boçais do mundo, usando confortos tecnológicos criados e produzidos por outros, mas sem assimilar valores sociais e culturais que edifiquem a nossa nação. Educação, segurança, justiça e saúde operam de forma precária na maior parte do país que tentará expor uma imagem bonita na Copa do Mundo (e, quem sabe, nas Olimpíadas de 2016!). A Agência Brasileira de Inteligência já identificou possíveis grupos organizados que podem até mesmo impedir a Copa do Mundo. No entanto, em usual demonstração de incompetência, afirma ser impossível antecipar a ação dos chamados "lobos solitários". 

Os problemas sociais em nosso país iniciam em seus fundamentos. E nem precisamos procurar evidências disso em fontes típicas de denúncias sociais. Vejam, por exemplo, este anúncio de um novo modelo de notebook da Sony. O texto diz:

"Executivos e Profissionais Criativos: Designers, arquitetos, profissionais de marketing e músicos vão se impressionar com a performance dos processadores Intel de quarta geração [...]

Universitários: Poderão utilizar a caneta digital para fazer anotações e poderão se divertir com a tela compartilhada para conversar com os amigos e assistir vídeos [...]"

Isso demonstra a perfeita sintonia entre agentes de publicidade que trabalham para a Sony e a realidade da vida acadêmica brasileira. Universitários são indivíduos que se divertem conversando com amigos e assistindo vídeos. Eventualmente fazem anotações.

Quando ingressei, em 1983, no Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ganhei uma calculadora TI55-II (Texas Instruments). Ela era programável, aceitando uma entrada de até 55 bytes! Não estou falando de 55 kbytes, megabytes ou gigabytes. Estou falando de 55 bytes! No manual da calculadora nem se usava a expressão "byte". O termo empregado era "passo de programação". A TI55-II tinha 55 passos de programação. E com esses 55 passos de programação eu programava operações de limites, derivadas e até integrais definidas. Mais tarde, durante o mestrado, comprei uma calculadora Cassio, na qual era possível inserir programas de 422 bytes. Achei aquilo uma maravilha. Eu já era capaz de programar integração numérica usando o método de Runge-Kutta. Cheguei a criar uma simulação de órbita de uma partícula eletricamente carregada ao redor de uma esfera com carga oposta, sujeita a um potencial de Debye. Isso tudo com 422 passos de programação!

Hoje os universitários têm acesso a máquinas com poder de memória e processamento extraordinariamente superiores às máquinas que usávamos nos anos 1980. E de que forma essas máquinas são usadas? Para ver vídeos, conversar com amigos e fazer anotações! Nos anos 1980 a publicidade de calculadoras científicas enfatizava o emprego dessas máquinas como instrumentos para tomada de decisões. Hoje a função anunciada é outra, principalmente quando o público-alvo é o de estudantes universitários.

Em resumo, Joan Baez veio ao Brasil na hora certa. E os poucos milhares que poderão testemunhar seus próximos shows no país poderão sentir aquela combinação de paixão e revolta que anuncia um estado de revolução.

Em um país fundamentalmente errado como o nosso, de fato há apenas uma solução: revolução.

Como já disse Geraldo Vandré em passado não muito distante, "protesto é coisa de quem não tem poder". E a forma mais eficaz de protesto é a revolução. Sem revolução, o Brasil manterá sua atual inércia até o momento em que mudanças não serão mais possíveis. Ainda somos um país rico em termos materiais. Ainda existem brasileiros que decidiram ficar no país e contribuir com a sua construção científica, tecnológica, social e cultural. Mas ainda falta a esses brasileiros a articulação política que simplesmente diga: Basta!

A hora é agora.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Motivação para estudos universitários


O que mais vejo em sala de aula é apatia; olhares mortos de jovens que deveriam estar vibrando com a pluralidade de perspectivas em suas vidas futuras, mas simplesmente não estão. São raríssimos os alunos confiantes e, principalmente, motivados sobre o que estudam. E uma consequência natural da apatia é a ignorância. Vejo alunos de engenharia elétrica que jamais ouviram falar de Lofti Zadeh, Nikola Tesla ou Wilhelm Weber. Conheci turmas inteiras de cursos de matemática que jamais questionaram textos medíocres usados em sala de aula. E não são raros os alunos de graduações de música que reclamam de exigências simples, como o domínio de pelo menos dois instrumentos musicais. Naturalmente não há necessidade de enfatizar que uma consequência natural da ignorância é a incompetência profissional. Alunos sem motivação se tornam inevitavelmente profissionais incompetentes, se conseguirem concluir seus estudos formais.

No entanto, o problema da falta de motivação em estudos universitários não atinge apenas alunos brasileiros. Um exemplo interessante aparece no site da University of Victoria, no Canadá. Há serviços on-line de apoio psicológico para estudantes que não se sentem motivados. A presente postagem é parcialmente baseada neste serviço de apoio, com adaptações para a realidade brasileira. São apontadas, a seguir, algumas sugestões de procedimentos que devem servir como uma primeira orientação para o aluno desprovido de motivação.

1. Fui um bom aluno nos ensinos fundamental e médio, mas não consigo me adaptar à universidade. Neste caso o aluno deve, em um primeiro momento, comparar a estrutura de diferentes escolas. Em instituições de ensino fundamental e/ou médio comumente existe uma estrutura permanente de fiscalização e acompanhamento. Já a estrutura de universidades é muito diferente. Não existe acompanhamento, por exemplo, para a realização de tarefas de casa. Ainda que seja cobrada a presença em sala de aula em um curso superior, um eventual excesso de faltas em uma única disciplina não implica na perda de um ano inteiro de estudos no curso como um todo. Analogamente, a reprovação por nota em uma única disciplina não acarreta em consequências drásticas sobre outras disciplinas cursadas simultaneamente. Em suma, universidades têm uma estrutura menos rígida do que escolas de ensino básico. E uma mudança de um ambiente rígido (em termos de cobranças) para um ambiente mais livre pode ter um efeito desorientador sobre muitos alunos. Neste caso, a recomendação é a seguinte: o aluno deve criar seus próprios mecanismos de cobrança. Estabelecer horários de estudos, metas sobre conteúdos a serem dominados e encontros com colegas que tenham as mesmas metas certamente ajuda. Sem estudos diários é impossível realizar uma graduação bem feita. Assumir publicamente suas metas também é importante. Desta forma amigos e familiares irão naturalmente questionar se você está atingindo tais metas nos prazos anunciados.

2. Sinto-me apático. A escola não tem significado para mim. Para que servem esses assuntos sobre os quais estudo? É bem sabido que recompensas imediatas são mais motivadoras do que recompensas a longo prazo. E uma característica dominante do processo educacional é que os frutos colhidos em função de uma boa educação ocorrem quase sempre a longo prazo. Portanto, novamente o aluno deve ter a iniciativa, criando mecanismos de recompensa mais imediata. Uma forma usual e prática de atingir isso é através da participação de grupos de estudos e/ou pesquisa. Grupos de estudos formados por colegas ou professores servem de apoio para todos os envolvidos. Isso porque o grupo de estudos espera de cada membro demonstre efetivo aprendizado, para que o grupo, como um todo, avance. Naturalmente que um grupo de estudos deve ter uma estrutura rígida em termos de cronograma e metas. Seminários semanais apresentados por todos os membros em forma de rodízio obrigam a participação de todos. Pessoas engajadas em grupos não gostam de se sentir excluídas.

3. Eu me distraio com muita facilidade. Sem foco, não há aprendizado relevante e significativo. Portanto, distrações como navegar no facebook, procurar vídeos no YouTube, assistir televisão, ir a festas, visitar amigos, brincar com o cão de estimação, escutar música ou mesmo ir ao cinema certamente atrapalham qualquer estudo sério. Além disso, distrações comumente produzem frutos mais imediatos do que estudos, o que nos obriga a retornar ao item anterior. A recomendação é a seguinte: é mais fácil reduzir as oportunidades de distração do que tentar resistir a elas. Exemplo: é mais fácil desconectar o telefone do que dizer "não" a um convite feito por um amigo. E, levando em conta que o mundo nunca teve tantas distrações como nos dias de hoje, essa recomendação deve ser levada realmente a sério. Afinal, participações em grupos de estudos (conforme se apresenta no item acima) jamais funcionam sem o estudo individual de cada membro do grupo.

4. Às vezes questiono por que faço este curso. É mais fácil viver com pouco dinheiro, mas fazendo o que gosta, do que com muito dinheiro, mas sem interesse no que se faz. Sempre existem pessoas que julgam saber o que é melhor para você. No entanto, a única pessoa que tem algo a perder é você. Isso porque quem o aconselha tem a própria vida, a qual é simplesmente independente da sua. Chantagens emocionais não apresentam reflexos no mundo das coisas práticas. Exemplo: Se um pai exige que seu filho seja advogado, esta postura jamais definirá se a carreira deste filho será um sucesso ou um fracasso. A recomendação é a seguinte: estude aquilo que atrai seu interesse. Se você não souber o que lhe atrai, converse com profissionais experientes em áreas que têm potencial para despertar seu interesse. Se sua decisão não ocorrer na época em que sua família e seus amigos esperam que isso aconteça (na época do vestibular), não há motivo para alarme. Mas quanto antes a decisão for tomada, melhor. Porém, uma observação importante deve ser feita: qualquer que seja o caminho escolhido, sempre existirão tarefas desagradáveis pelo caminho. 

5. Quando começo a estudar, fico entediado. Nada parece entrar na minha cabeça. Esta é uma situação na qual a pessoa lê um texto, mas nada é assimilado. É algo muito diferente dos efeitos nocivos de distrações. A palavra que melhor descreve tal situação é simplesmente "tédio". Se este caso não for explicado pelo item 4, provavelmente você só está adotando a estratégia errada de estudos. A recomendação é a seguinte: questione o texto estudado! Um erro típico de alunos é assumir que somente eles devem ser avaliados, no processo educacional. Porém, tanto professores quanto autores de livros, apostilas e sites devem ser questionados e avaliados. Sobre este tema discuto de forma detalhada nesta postagem publicada em 2011. Desafiar de forma crítica e inteligente a autoridade não é apenas uma forte motivação, mas também a alavanca que faz o mundo avançar. 

6. Aconteceu comigo um evento fora de meu controle e isto está interferindo em meus estudos. Uma tragédia na família ou até mesmo um divórcio (entre outros possíveis exemplos) podem desequilibrar uma pessoa o bastante a ponto de prejudicar seus estudos. Porém, a vida acadêmica não para por sua causa. Neste caso, vale lembrar que toda universidade conta com mecanismos de apoio para aqueles que sofrem com interferências externas, como segunda chamada de avaliações ou medidas mais drásticas, incluindo trancamento de disciplinas ou de curso. Tais mecanismos devem ser usados sempre que necessário, para evitar prejuízos de longo termo, como quedas abruptas de rendimento escolar registradas em histórico oficial. 

Três anos atrás o professor Hew Strachan (da University of Oxford) proferiu uma palestra sobre o problema da motivação em combate. Mesmo entre militares existe o grave problema de falta de motivação nos dias de hoje, o que demonstra que este mal ocorre não apenas entre jovens estudantes. 

Recentemente também foram divulgados estudos sobre as motivações de manifestantes em protestos públicos que têm ocorrido nos últimos anos em países como Ucrânia, Índia, Egito e Brasil, entre outros. E a conclusão destes estudos aponta para uma única causa dominante: a alta do preço de alimentos. Ou seja, apesar de inflamados discursos de manifestantes sobre educação, justiça, segurança e saúde, a verdade é simplesmente outra. Se o preço de alimentos subir, isso cria condições extremamente favoráveis para manifestações populares violentas. 

Neste blog e em outras mídias já apresentei argumentos suficientemente convincentes (creio eu) para articular manifestações massivas de jovens contra instituições de ensino brasileiras que perpetuam uma educação que piora dia após dia. No entanto, razão não opera como agente motivador. Motivação é simplesmente um sentimento, sem base racional. Mas, apesar disso, ainda é possível usar a razão para entender melhor os mecanismos da motivação. E entender tais mecanismos pode ajudar consideravelmente as pessoas a compreenderem melhor a si mesmas.